quinta-feira, 27 de março de 2008

Viva la raza!


Coadjuvante é uma condição que sempre me interessou muito - bem como gênios que se acabam na bebida e nas drogas, mas isso eu supero. A possiblidade de dividir as glórias sem ter de dividir a responsabilidade me pareceu um caminho fácil e justo devido à minha preguiça e, principalmente, minha auto-estima de rodapé. (Não vou falar no Robin, obviamente).
Sem efeméride nenhuma, afinal isso é um blog, o assunto é Oscar Zeta Acosta, o "Dr. Gonzo" de Medo e Delírio em Las Vegas. Lendo um pouco mais sobre sua vida, descobri um personagem ainda mais fascinante do que o interpretado por Benicio del Toro no filme de Terry Gillan. Advogado, ativista social e escritor (autor de pelo menos dois bons livros sobre a condição dos chicanos nos Estados Unidos, Autobiography of a Brown Buffalo, de 1972, e The Revolt of the Cockrouch People, de 73), Acosta foi fundamental para que Hunter Thompson escrevesse sua mais famosa obra. Mas suas conexões com o pop vão além, mesmo que de forma indireta. Vejamos:
- Acosta foi um dos protagonistas da versão chicana da luta pelos direitos civis da década de 60 em East Los Angeles. Inspirado nos Black Panthers, grupos como os Brown Berets começaram a organizar a comunidade para se defender dos abusos e da brutalidade policial e lutar por melhorias na educação. Acosta, conhecido como o Brown Buffalo, estava no topo da pirâmide do "Chicano Movimiento" e, com os Berets, realizou o Chicano Moratorium, um protesto contra a grande presença e morte de compas na guerra do Vietnã. Durante esse episódio, o jornalista Ruben Salazar foi morto pela polícia e uma onda de violência cobriu o lado leste de Los Angeles. Atrás de informações sobre Salazar, Thompson chegou até Acosta para a feitura da reportagem que resultou no artigo "Strange Rumblings in Aztlan", publicada na Rolling Stone, que revelava os problemas que aconteciam no "barrio". Ciente de que o Buffalo não lhe revelaria nada ao lado de outros "pachucos" vingativos, Thompson sugeriu uma viagem a Las Vegas, onde poderiam conversar sem problemas. O resto, está no livro.
- Nesta reportagem da RS, Acosta aparece numa foto de Annie Leibovitz, famosa por clicar ícones do pop e do rock.
- A vida chicana dessa parte de Los Angeles seria muito bem retratada (e atualizada) no início dos anos 90, quando o rapper Kid Frost lançou East Side Story. Antes, ele havia lançado seu maior hit, "La Raza", que simboliza o "brown and proud" herdado dos anos 60 que fez a polícia considerar os Berets mais perigosos que os Panthers.
- Grande, gordo, forte, armado e drogado, Acosta dedicou a vida na defesa sem descanso de "la raza". O que diria da California Proposition 187, de 1994, que impedia imigrantes ilegais de receber benefícios sociais, saúde e educação pública? O então governador do Estado, Pete Wilson, que apoio a medida, foi "homenageado" pelo Brujeria no disco Raza Odiada.
- Acosta também foi retratado no cinema no filme Where the Buffalo Roam (1980), de Art Linson. Quem o interpretou foi Peter Boyle - Bill Murray ficou com o papel de Thompson.

P.S.: Acosta desapareceu em Mazatlan, no México, em 1974. Em seu último contato com a família, disse que iria embarcar num pequeno barco de volta aos EUA. Seu corpo nunca foi encontrado.

terça-feira, 11 de março de 2008

Basta ter grife para ter cacife


Notícia velha é que nem pizza - fica mais saborosa no dia seguinte. Segundo a colunista Mônica Bergamo (no dia 1 de março), o Cirque du Soleil pagou uma pechincha para sentar acampamento no Parque Villa-Lobos. Economizou, em comparação com a "tabela" do parque do Carmo, algo em torno de R$ 2 milhões. Fosse armar sua tenda no Ibirapuera, gastaria mais de R$ 3 milhões de diferença. A previsão oficial dos circenses era de arrecadar R$ 55 milhões, com uma mentalidade que só pode ser a do "pão de ló e circo". Mas, beleza, o circo deve "agregar valor" ou coisa do tipo. Dizia Marcelo Mirisola que basta um verniz para ser feliz. Iria mais longe: basta ter grife para ter cacife. O Soleil tem aquilo que os paulistanos-leitores-da-Veja-que-não-dão-passagem-ao-entrar-na-garagem-de-seus-prédios mais prezam: prestígio (marketing? É até bizarro pensar que tudo começou com um maleta artista de rua. Acorda, Vila Madalena!). É como o Blue Man Group ou os personagens de Tim Burton: algo de bom gosto, bonito esteticamente, bem feito, mas vazio, vazio... Mas é na superfície que os paulistanos nadam - mantendo aquela distância ridícula do Corolla da frente. Porém, se não vemos a criançada com a cara pintada de azul ou trajada de gótica por aí, o Soleil é uma grande fonte de inspiração para todas as classes sociais, principalmente as mais baixas. Por aqui não faltam malabaristas de farol. "Alegriaaaaa! Dá uma moedinha, tio!" Coitadinho do Circo Imperial da China (tsc, tsc, desperdício de trocadilho com "negócio da China"...).

terça-feira, 4 de março de 2008

Só a derrota liberta

A vontade era dizer simplesmente "chega", "volte pra sala", "me deixe", mas ela continuava com aquela bucha, esfregando, esfregando, reclamando, reclamando, com razão, quem diria o contrário? Viver na sujeira não é nada - acordar sujo é que é o portal. Depois disso não é necessário mais nada, já se safou, já se bandeou pro lado de lá.
A luta, essa tal batalha da vida, esse hei de vencer, essa carreira profissional, custam muito caro, meu caro. Enquanto meus pés eram esfregados pra que o lôdo saisse, não pensava em nada além de duas coisas: estava bem bêbado, decerto, mas nada tão embriagado assim dentro de minha bebedeira - o dia seguinte, se soubesse, que contasse outra. E que eram as pequenas coisas que acabavam com a gente. As grandes derrotas, as quedas trágicas, os tombos homéricos, esses tinham outra finalidade - a questão era escolher entre a pílula azul e a vermelha. As pequenas coisas, como que atacando Gulliver, eram as que nos amarravam, saqueavam, pisoteavam. Você ali, amarrado por dezenas de cordas rídiculas, de bunda pra cima, exposto ao patético, pronto pra desistir na hora errada. Porque só a derrota liberta.
Você fica pelo caminho, comendo poeira, desconcertado, e daqui a pouco está só, livre de todos eles. Assim, quase sem esforço - só perdendo. Colocar a agulha é que é o foda. Depois, nirvana. Alienação, como se não fosse legítima. A vida são escolhas, então a mais sensata para mim era a carta que ninguém queria, o mico.
Sem trabalho o povo se preocupa e se agita e se mata e chora e brocha e procura reverter a situação a qualquer custo - a tristeza que é um novo trabalho. O elogio, a responsabilidade, o cafezinho, a secretária, a porra do casual day, a festa da firma, a gostosa, o babaca, o prazo, o bom dia... Pro diabo! Nunca me encaixara nisso, como uma peça cega de Lego, que enganou um bocado deles por muito mais tempo que achava possível, e poderia até mais do que isso se eu simplesmente não quisesse largar os pontos ali, com aquela garota fazendo um lava pés num santo da puta que o pariu. Não querer crescer me parece um sentimento mais forte na infância do que o querer ser tal coisa ou tal pessoa. Um medo do caralho desse mundo adulto, desse mecanismo enferrujado, dessa roda viva que não iria fazer a mínima força pra agradar alguém. Aquela ingenuidade perigosa, que te faz correr no fio da navalha, sem saber onde diabos está todo mundo, que sombra é aquela no quarto, quando chega a porra do amanhã.
O tempo passou rápido, estava já naquela fase de reconhecimento, nome no cartão, sobrenome sendo pronunciado aqui e ali, com aquela garota me limpando. Tinha de lidar com tudo isso de alguma maneira, sair de cena não funcionaria, as latas de cerveja não ajudavam. Talvez fosse tarde para mim mandar tudo pros ares, é verdade - mas eu ainda ia fazer uma bagunça fudida por aí. Porque também não ia fazer a felicidade daquele que sempre me derrubou, criou obstáculos, rasgou meu estômago, colocou cacos de vidro na minha garganta: eu mesmo. Ia dar o troco, ah, isso ia. E dormiria mais uma vez com os pés limpos, como todos os filhos da puta de cobertor cobrindo as orelhas. (8/2/2008)