quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Ternura, jamás!

O clichê, essa hipérbole da verdade, diz que o povo precisa/quer/merece pão e circo. Consequentemente, um governo totalitário ou retrógrado também precisa de pão e circo, mas para vender no atacado, não para consumo. Pois para os cubanos só sobrou o picadeiro. Sentir-se bem nas ruas de Havana é um exercício de controle dos nervos - existe um ar de ameaça, de finitude, de esgotamento que transforma suas férias em uma experiência. O centro velho, ainda que anuncie a restauração promovida pelo governo espanhol, causa má impressão até mesmo em quem já passou pelos piores quarteiros do Brás. Cortiços mal iluminados, lixo pelas ruas, monte de gente sentada na sarjeta - e estamos na parte turística da cidade. O alívio aparece quando você percebe que turistas italianos e canadenses, platinados, alienados e estapafurdiamente ingênuos, passam aqui ali. "Se eles podem, o que iriam fazer comigo?", sua massa cinzenta brasileira raciocina. A situação econômica na época em que lá estive, em 2004, separava ainda mais turistas e locais - a dolarização humilhava ainda mais os cubanos.
Como todo mito, o do "bom selvagem" existe para ser questionado. Em Cuba, nem precisa. Um povo amistoso não significa um povo amigável. Aquela "alegria" tropical que nos é vendida - e que vendemos aqui do nosso lado da fronteira - simplesmente se fora com a mesma velocidade do furacão que passara uma semana antes de minha chegada - e que me mandou pro Caesar Park do Panamá, mas isso é outra história. Não havia mais forças nem para esboçar um sorriso. Sabendo que você é um brasileiro, povo irmão e coisa e tal, o máximo que demonstravam era certo alívio. Num açougue, que mais parecia uma mecânica, nem um levantar de sombrancelhas para os brasileiros.
Não se falava de Fidel em nenhum momento. Não que el comandante fosse impopular - simplesmente não pronunciavam o seu nome. Com uma das mãos, seguravam o queixo e a escorregavam pra baixo, num gesto que sugeria uma barba. Os centros políticos presentes em quase todos os quarteirões podiam escutar qualquer lamúria. Sim, havia também pequenas clínicas espalhadas aqui e ali, mas "ficar em observação" não soava bem como um termo médico para aquelas pessoas. No Cerro, bairro que seria o Capão Redondo se esse fosse habitado por médicos, engenheiros e doutores dos mais variados títulos que ganham pouco mais de R$ 40 por mês, a revolução apenas endureceu o coração das pessoas.
A revolução de Fidel não foi para Cuba. Foi para ele mesmo. Tentou antes na Colômbia, tentou depois, em Angola. Deu certo em Cuba. Ele venceu. O isolamento a que esteve submetido nesses 49 anos apenas confirma seus propósitos. A população cubana era os outros, os camponeses que trabalhavam para o seu pai latifundiário. Ele lhes deu o que achava que devia, um pouco de colo, um pouco de saúde, um pouco de educação e um pouco de cadeia também. Todo o heroísmo que partiu de Sierra Maestra e derrubou Fulgêncio Batista foi sendo dilapidado nesses 49 anos. Pelo protagonista da história. Ele triunfou, entrou para a história. Cuba ficou para trás, no meio da fumaça de sua revolução.
E basta, porque já está parecendo um discurso do mito.

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