segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Jesus voltou


A palavra é ruim e nada rock'n'roll, mas o termo para o show do Jesus and Mary Chain no Planeta Terra é "digno". Parece coisa de quem apenas não fez feio, mas significa muito para uma banda identificada com os anos 80 e que pretende ir além da mera turnê de reunião. Ainda distante do classic rock de um Stones, ela trouxe um alento para quem viu suas apresentações no Brasil em 1990 - trintões e calvos como eu. Faz sentido ainda gostar da banda e esperar pelo novo disco. A postura quase antipática no palco (Jim agradeceu pelo menos três vezes, um recorde pessoal) não é marra de banda nova - ao contrário, casa muito bem com as marcas no rosto do vocalista e a pança de William. O "rock sorriso", das boas causas, que aperta a mão dos grandes líderes mundias não tem vez com a dupla. O pessimismo e a depressão junkie das letras (o nome da ótima caixa de raridades The Power of Negative Thinking é um achado) são convincentes. Nada de gracinhas, estripulias, sorrisos do tipo "veja como sou bacana com vocês" ou pulseirinhas coloridas de ONGs. O número de fãs do Offspring surpreendeu tanto quanto o cabelo ridículo de seu vocalista, mas a banda dos irmãos Reid certamente ajudou a vender um bocado de ingressos. Animal Collective? Pfffff.
A banda escolheu "Snakedriver" para abrir a apresentação. Se não foi um hit em seu tempo, tem um clima bem adequado para separar o que havia sido Mallu Magalhães no palco (um festival de música do colégio Objetivo?) do que seria um show de rock amargo, sem tchubaruba. "Head On" também funcionou ao vivo e tem a aprovação dos Pixies, o que ajuda bastante entre o público indie brasileiro. Mas incluir mais três músicas do mediano Automatic ("Between Planets", "Halfway to Crazy" e "Blues from a Gun") foi um despropósito. A possível explicação é o fato de o show em 90 ter sido parte da turnê do albúm. Psychocandy foi quase ignorado ("Just Like Honey" era uma aposta óbvia, "You Trip Me Up" e "Never Understand" mereciam lugar no set list), "April Skies" não deu as caras e a pegada mais dançante de Honey's Dead foi privilegiada, inclusive no single "Sidewalking". Do álbum Munki (que coloco em segundo lugar em qualidade na discografia do Jesus) veio "Cracking Up". Entre as novas, "All Things Must Pass" se confirmou fraca, arrastada; "Kennedy's Song" é bem mais interessante e dá esperanças de um novo disco longe do vergonhoso. O volume estava baixo, especialmente no início do show, o que tirou bastante de seu impacto, mas era fácil conseguir um bom lugar para vê-lo. Com relação ao telão, nada a reclamar no quesito tecnologia. A falha foi humana mesmo: a equipe do Terra simplesmente ignorou William Reid, posicionado no canto direito de quem assistia. A bela foto do post é do camarada Marcos Hermes.
Se teve nostalgia? Mas é claro que sim. A memória afetiva é um seguro de vida para a música pop e uma bela aposentadoria para seus artistas. E confesso ter visto o show na condição de fã - afinal, não estava lá a trabalho. Esteja atrás de uns trocados ou de uma chance de terminar a carreira de modo menos traumático (difícil imaginar que eles gravem mais dois ou três discos de inéditas), o Jesus provou que sua obra é consistente e relevante para além de Psychocandy - no outro "extremo", eles lançaram o ótimo Munki. Nada de novos arranjos, um teclado para fazer a "cama", backing vocals (ei, ver a Scarlett Johanson não seria nada mal!), improvisos, "inteligência" e erudição. A urgência que a banda evocava em 1984 foi ganhando amargor e pessimismo. O Jesus cresceu com seu público, ainda busca por redenção e produz bem a partir de poucos recursos e limitações técnicas.

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